AMENA ESCRITA


Amena Escrita

(Texto Inédito)

Esfumacei enquanto escrevia.

Escrever é uma rotina desagradável, nojenta. Escrever sobre o quê?, sobre quem? e para quem?

O ecrã do PC estava imundo, coalhado de gordura. O espaço à minha volta, está abarrotado de jornais negros e (in)acabados, livros sem capas, cinza das cigarrilhas cubanas (que a minha irmã me trouxe de Cuba).

A vida de um pseudoescritor não é formosa (cobram pudores, aterrorizando as palavras, matando vidas…), é apenas um esforço, enfim… é um balbuciar nas folhas de papel a infeção da vida. (Educadamente, despidos da inutilidade escrevem sobre o amor, sob o sexo em ferida, ridicularizando os fiéis do apego).

Sento-me novamente na minha poltrona. Aqui, sou o meu Rei. O Rei! Esfumaço, bebo. A voz agitada das músicas da Teresa de Berganza entra pelos meus ouvidos. Canto, improvisando no meu truanesco espanhol. Depressa escrevo o que sinto, se sinto, algo que era desconhecido até então.

(Há um instante, que todas as visões dos pseudoescritores assemelham-se à configurada vida alheia dos escritores; é a pequena e atormentada ideia de quem pensa que sabe escrever.).

Estático, leio o que escrevi. Desdobrando a minha ideia que um dia serei um Escritor. Atiro-me às palavras e esqueço a cigarrilha no cinzeiro palerma de porcelana, que recebi como presente no dia do meu aniversário. “Ah, ah!” Vou riscando o que não interessa. E há tanta coisa que não interessa na minha escrita (também na minha vida). Transformo os trocadilhos (as trampas dos trocadilhos que quase ninguém percebe) em palavras ocas, moribundas.

Quando escrevo (porque é moda) delato em mim a minha sobrevivência, qualquer estranha sobrevivência que haja em mim, que o meu pai diz que não tenho.

(Os pseudoescritores são artificiais, rodopiam em cópias de romances, desleixadamente.) Detesto-me, por isso… uns dizem que sou um pseudoescritor, um lamechas de amor… se alguma vez o fui, não me digam. Esqueçam-me. Irrita-me quando o dizem. Digam apenas que sou uma cópia exagerada da honestidade. E quanto a “nós” (a todos aqueles que me leem), e que nunca me alcançam, sejam meus inimigos (os pseudoescritores escrevem também sobre inimizades).

“ Agarro-me a ti. Furioso. Antiquado. Sou o teu tirano. Vês agora o que sou. Antes não sabias nada de mim.”


(Continua…)
Texto publicado em http://letrasecultura.com/2013/07/29/texto-amena-escrita/

Photo Tina Modotti

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